13933 - Práticas agroecológicas, gênero e reprodução social da ruralidade no Planalto Sul de Santa Catarina

Autores

  • João Fert Neto Universidade do Estado de Santa Catarina
  • Patrine Souza Universidade do Estado de Santa Catarina
  • Joseane Madruga Universidade do Estado de Santa Catarina
  • Patrícia Fernandes Universidade do Estado de Santa Catarina
  • Silvia Danieli Werter Universidade do Estado de Santa Catarina

Palavras-chave:

identidade sociocultural, mulheres agricultoras, capital simbólico

Resumo

Resumo Estudou-se um grupo de agricultoras agroecológicas e suas estratégias de reprodução social da ruralidade num cenário onde predominam atividades de reflorestamentos com pinus. Utilizou-se a abordagem teórica-metodológica de Pierre Bourdieu, através dos conceitos de habitus, capitais e de reprodução social. Para a coleta de dados utilizou-se questionários semiestruturados, observação participante e impressões através de diálogos e acompanhamento de atividades. Observou-se que essa resistência decorre de estratégias de recuperação de conhecimentos tradicionais, a partir de práticas culturais, numa perspectiva agroecológica, assumindo uma funcionalidade à manutenção da ruralidade, pois proporciona identidade sociocultural de agricultor agroecológico, acesso às políticas públicas, capital simbólico perante a sua comunidade. Palavras-chave: identidade sociocultural; mulheres agricultoras; capital simbólico; Abstract: Has been studied a group of farmers and agro-ecological strategies of rurality social reproduction in a scenario where activities are mostly reforestation with pine. It has been used the theoric-methodological approach of Pierre Bourdieu, through the concepts of habitus, capital and social reproduction. For data collection, has been used semi-structured questionnaires, participant observation and impressions through dialogues and monitored activities. Has been observed that this resistance is due to recovery strategies of traditional knowledge from cultural practices, an agro-ecological perspective, assuming a functionality to the rurality maintenance, it provides sociocultural identity of agroecological farmer, access to public policies, symbolic capital towards their community. Keywords: sociocultural identity; women farmers; symbolic capital; Introdução A região do Planalto Sul de Santa Catarina é considerada uma das regiões mais pobres do estado, com IDH mais baixo, principalmente nos municípios com características rurais e entre a população rural (SANTA CATARINA, 2003). A região sofreu um intenso êxodo rural, principalmente nas décadas de 60 e 70. Nestes anos, as causas do êxodo rural foram apontadas como sendo o fim do ciclo da madeira e o fechamento das serrarias, aliadas com a falta de opções de ocupação no meio rural da região. (FERT NETO, 1993). A modernização da agricultura inviabilizou a agricultura familiar tradicional e a suas práticas agrícolas correspondentes, como a coivara, o pousio, a mudança de mercado e, mais recentemente, o êxodo seletivo por parte dos jovens e de mulheres do meio rural Esse processo, conhecido como modernização conservadora da agricultura (MARTINE et al. 1985; GRAZIANO DA SILVA, 1981), historicamente tem provocado um declínio da agricultura familiar e uma perda da sua ruralidade, com esvaziamento da área rural, envelhecimento da população e descontinuidade nas propriedades familiares, com a evasão de jovens para os centros urbanos. Em síntese, aquilo que alguns alertam: o desaparecimento do campo e tudo que ele significa em termos culturais e sociais. (WILLIAMS, 1989). Empreendimentos agropecuários como grandes empresas reflorestadoras, e mais recentemente, a agricultura intensiva de grãos, aliado ainda a investimentos urbanos de compra de terras no meio rural e a manutenção das grandes propriedades têm contribuído para diminuir o espaço da agricultura e do campesinato na região do planalto, seguindo uma tendência geral de regiões onde não havia predominância da agricultura familiar no seu processo histórico de formação (GOULARTI FILHO, 2002). Esse processo de urbanização tem acarretado não somente uma perda da população no espaço rural, mas também uma perda de ruralidade em termos culturais, na medida em que ocorrem mudanças nas bases físicas de manutenção da vida cultural e dos valores sociais (BLOEMER, 2000). Na perspectiva da modernização, a persistência do rural, principalmente nas suas formas tradicionais, esteve associada ao atraso socioeconômico de parte da população, sendo avaliada negativamente (PEREIRA, 2007). No entanto, contemporaneamente, numa perspectiva mais reflexiva, os problemas ocasionados pela perda da ruralidade tem uma atenção mais voltada para as suas dimensões de precariedade do meio urbano e perdas culturais, um estranhamento. Mesmo diante deste cenário de desaparecimento da ruralidade, podem ser encontrados focos de persistência de diferentes ruralidades, que se moldam aos novos contextos, através de práticas culturais e socioeconômicas que permitem essa permanência. Este trabalho está focado no estudo de um grupo de mulheres agricultoras no município de Otacílio Costa/SC, caracterizadas pela reprodução da sua ruralidade num cenário onde predominam atividades de reflorestamento com Pinus, este grupo tem as suas estratégias voltadas para práticas agroecológicas e a realização de feiras de venda direta. Trabalhou-se com a hipótese principal de que os aspectos socioeconômicos de reprodução da ruralidade no grupo estudado são decorrentes de estratégias de fortalecimento de uma identidade camponesa relacionada a práticas agroecológicas e identidade de gênero. Esta identidade é sustentada pelo aumento do capital simbólico com base na reprodução de práticas culturais e materiais, conferindo uma distinção diante da comunidade e ganhos socioeconômicos através de políticas públicas e a produção de bens. Na medida em que aumenta a acumulação de capital simbólico, isto resulta num aumento do capital econômico e no fortalecimento do processo de persistência da ruralidade. Os objetivos do trabalho foram identificar e analisar as estratégias de resistência e a permanência de um grupo de agricultoras através de práticas agroecológicas, o que compreenderia: identificar práticas culturais de resistência e fortalecimento da identidade camponesa; avaliar as estratégias econômicas e a criação de espaços próprios para reprodução social e econômica da agricultura familiar. Metodologia O universo de pesquisa foi um grupo de agricultoras agroecológicas que desenvolvem atividades no município de Otacílio Costa situado no Planalto Sul de Santa Catarina. Utilizou-se a abordagem teórico-metodológica de Pierre Bourdieu, através dos conceitos de habitus, capitais e de reprodução social (BOURDIEU, 1989). A partir desses conceitos, identificou-se os mecanismos de distinção e práticas de reprodução social da ruralidade. Sendo que o processo de acumulação do capital simbólico pode ser avaliado através de indicadores da identidade sociocultural, da politização, da liderança e da noção de gênero, enquanto o processo de acumulação do capital econômico pode ser avaliado através das práticas agroecológicas, do valor diferenciado dos produtos, do acesso ás políticas públicas e nichos de mercado. A pesquisa se configurou como um estudo de caso de uma comunidade identificada como resistente ao processo de perda da ruralidade. Coletou-se dados através de entrevistas coletivas e individuais, bem como visitas às feiras realizadas pelo grupo, para captar as práticas e representações sociais das agricultoras. As perguntas foram orientadas no sentido de identificar os critérios utilizados por essas populações para suas estratégias através de uma abordagem qualitativa. Também com a observação participante durante as reuniões e demais atividades, e com impressões através de visitas às propriedades e diálogos individuais. Analisou-se as relações entre representações e práticas, a construção da identidade e a persistência da ruralidade nas dimensões relacionadas: agroecologia, laços familiares, associativismo e organizações camponesas, políticas públicas e atividades cotidianas ligadas ao meio rural. Resultados e discussões Observou-se que a resistência dos agricultores na região estudada decorre de um conjunto de estratégias, resultado de intervenções externas e de uma mobilização dos próprios rurícolas, essas estratégias compreendem: • Recuperação de conhecimentos tradicionais, numa perspectiva agroecológica, através de orientação técnica da ação extensionista, a qual foi prestada por uma ONG com viés agroecológico, com financiamento público voltado para promoção de gênero e da agroecologia. Estas estratégias compreenderam técnicas de baixo uso de insumos, sem endividamentos bancários, num contexto de diminuição progressiva da agricultura familiar e da produção local, dada à expansão das plantações pinus e o aumento do emprego exclusivamente urbano e masculino. • Agregação das agricultoras em uma associação e seu vínculo a uma rede ecológica proporcionou a inserção em mercados de preços diferenciados, uma feira de produtos agroecológicos que ocorre todas as semanas na praça municipal. Esta feira possui uma identidade própria de agroecológica e é reconhecida pela comunidade que a frequenta e interage socialmente no ambiente da feira. A feira permite agregação de renda aos produtos, em sua maioria hortaliças, mas também alimentos de processamento artesanal e eventuais artesanatos, Permite uma renda extra e fortalece a autonomia feminina no processo de permanência da ruralidade. Num determinado sentido, pode se falar de uma contratendência à masculinização do campo, embora numericamente limitada ao grupo em questão; • Práticas culturais e a reinvenção do conhecimento tradicional proporcionaram identidade sociocultural de agricultora agroecológica. Essa identidade permite uma distinção e acumulação de capital simbólico (BOURDIEU, 1989) que pode ser convertido em capital econômico na medida que pode sensibilizar o consumo consciente ou solidário dos moradores do município, muitos deles tendo recém perdido sua condição material de rurícola, mas com um imaginário ainda de camponês. O aumento do capital simbólico aumenta a capacidade de liderança e politização, potencializando o processo de organização, comunicação e agência frente as estratégias e políticas públicas. A FIGURA 1 ilustra o processo de conversão de capitais e a congruência entre a acumulação de capital simbólico e capital econômico, que fortalece a resistência da ruralidade. Figura 1 – Processos de distinção e conversão Conclusões Reconhece-se que fatores econômicos e sociais têm um papel decisivo no processo de perda progressiva da ruralidade, na inviabilização da agricultura familiar. Isto ocorre de um modo ainda mais acentuado numa região de produção de pinus e concentração de terras. Não obstante, estratégias como as observadas no grupo estudando permitem inferir que alternativas produtivas como as práticas agroecológicas aliadas o associativismo e a identidade social, inclusive de gênero, podem viabilizar a ruralidade desses grupos. Estas estratégias permitiram criar uma identidade do grupo, caracterizando-o, e, desta forma, favorecendo a resistência do rural e da identidade camponesa. Há uma congruência entre os aspectos simbólicos e materiais no processo de reprodução da ruralidade. Assim, as estratégias de desenvolvimento rural, principalmente aquelas dos próprios rurícolas, bem como as políticas públicas, no caso a extensão rural agroecológica, devem atentar não somente para a produção e as técnicas produtivas, mas também para as condições sociológicas e simbólicas em que se realizam as ações, incluindo as condições de gênero. Esta, muitas vezes considerada como um obstáculo ao desenvolvimento, no caso, verificou-se como sendo um recurso simbólico construído pelas próprias protagonistas. Referências bibliográficas: BLOEMER, N. M. S. Brava Gente Brasileira: Migrantes Italianos e Caboclos nos Campos de Lages. Florianópolis: Cidade Futura, 2000. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa, Ed. DIFEL, 1989. FERT NETO, J., O Clientelismo nas Relações de Trabalho Capitalistas, Porto Alegre, UFRGS, 1993. (dissertação de mestrado). GOULARTI FILHO, A. Formação econômica de Santa Catarina. Florianópolis: Cidade Futura, 2002. GRAZIANO da SILVA, José. Progresso técnico e relações de trabalho na agricultura. São Paulo, Hucitec, 1981. MARTINE, George et all. Impactos Sociais da Modernização Agrícola. São Paulo, Caetés, 1985. PEREIRA, J. A. ; FERT NETO, J. ; CIPRANDI, Olívio ; DIAS, Cleimon E do A . Conhecimento local, modernização e o uso e manejo do solo: um estudo de etnopedologia no planalto sul catarinense. Revista de Ciências Agroveterinárias, v. 1, p. 140-148, 2007. SANTA CATARINA. Secretaria de Estado de Planejamento, Orçamento e Gestão, Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional: Lages Caracterização Regional: estudo elaborado pelo Instituto Cepa/SC, para a Secretaria de Estado do Planejamento, Orçamento e gestão. Maio, 2003. WILLIAMS, R. O campo e a cidade. São Paulo, 1989. Ed. Companhia das Letras. .

Biografia do Autor

  • João Fert Neto, Universidade do Estado de Santa Catarina
    Engenheiro Florestal, Doutor em Ciências Humanas, Professor de Sociologia e Extensão Rural da UDESC
  • Patrine Souza, Universidade do Estado de Santa Catarina
    Acadêmica do Curso de Agronomia, bolsista de extensão UDESC
  • Joseane Madruga, Universidade do Estado de Santa Catarina
    Acadêmica do Curso de Agronomia, bolsista de extensão UDESC
  • Patrícia Fernandes, Universidade do Estado de Santa Catarina
    Engenheira Agrônoma, Doutoranda em Produção Vegetal, UDESC
  • Silvia Danieli Werter, Universidade do Estado de Santa Catarina
    Acadêmica do Curso de Agronomia, UDESC

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Publicado

2013-12-24

Edição

Seção

VIII CBA-Agroecologia - Desenvolvimento Rural/sociologia, antropologia, med sociotecnicas e config socioculturais