Plantio direto sem herbicidas: teste massivo e validação da tecnologia por técnicos e agricultores familiares do estado de Santa Catarina
Palavras-chave:
Agroecologia, plantio direto sem herbicida, extensão ruralResumo
O sistema de Plantio Direto (PD), desenvolvido no Brasil na década de 1970 com o objetivo de conservar as propriedades físicas e químicas do solo, interessantes para sistemas agrícolas, e reduzir a dependência de combustíveis fósseis (Muzilli, 1985) tem trazido benefícios a redução de incidência de erosão (EMBRAPA SOJA, 2005), melhora na estrutura física do solo, aumento da fertilidade e retenção de água, além de maior população e atividade de microorganismos benéficos (CONSUEGRA, 2003). No aspecto econômico destaca-se a redução dos custos de produção e a penosidade do trabalho. A expressiva expansão do PD se deve a tais benefícios, mas o sistema ainda permanece dependente do emprego de herbicidas para provocar a morte das culturas de cobertura antes do plantio da cultura posterior e o controle das plantas espontâneas. O PD pode ser um importante passo na transição do sistema de agricultura convencional ao agroecológico, porém, é necessária a busca de alternativas ao uso de herbicidas e para isto deve-se buscar compreender os efeitos de diferentes culturas de cobertura na supressão das plantas espontâneas. Isto seria um passo importante do ponto de vista social econômico e ambiental. Como forma de evitar os problemas associados ao controle convencional das plantas espontâneas, busca-se conciliar produtividade com recuperação ambiental e a promoção de relações sociais justas. Isto pode ser alcançado com a adoção de formas de cultivo que mantenham as vantagens do sistema de plantio direto, sem a dependência do uso de herbicidas. Uma referência em plantio direto sem o uso de herbicidas é a forma de agricultura conduzida pela família Ristow, no município de Ibirama, em Santa Catarina (Pereira et al., 2003). O trabalho iniciado pelo Sr. Roland Ristow e continuado hoje pelo seu filho baseia-se no manejo de mucuna-preta e capim-doce (Brachiaria plantaginea) para manejo do solo sem revolvimento e livre de herbicidas nas lavouras de milho e fumo. Pereira et al. (2003) demonstraram que depois de estabilizado tal sistema permite menores gastos, manutenção de bons rendimentos e um uso de mão de obra equivalente a cerca de ¼ do necessário em um sistema convencional. Inúmeros trabalhos tem demonstrado os efeitos do PD sobre diferentes características do solo e organismos. Nos aspectos biológicos, demonstrou-se que o PD mantém as populações de rizóbio em níveis mais altos e aumenta a biomassa deste organismo no solo (Balota et al., 1998, Pereira et al., 2007). No trabalho de Carneiro et al. (2004) com solos do Cerrado demonstrou-se que o PD aumenta a biomassa microbiana e a quantidade de P da biomassa. Resultados de nosso grupo, em experimentos e em avaliações em unidades de produção, mostram que o uso de plantas de cobertura não micorrízicas, como o nabo forrageiro, modificam a atividade microbiológica. A atividade de fosfatases aumenta quando há plantas não micorrízicas (Dalla Costa e Lovato, 2004; Kunze et al., 2007). Tais resultados demonstram que avanços ainda são necessários para que se compreenda a dinâmica desses sistemas em diferentes níveis. Baseando-se nas experiências citadas, o Grupo de Agroecologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tem desenvolvido ações de extensão e pesquisa participativa com agricultores familiares do Sul do Brasil. Com financiamento da Fundação americana CS-Fund/Warsh-Mott Legacy, em parceria com a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI) e Organizações Não-Governamentais (ONGs). Em 2007 foram implantados três experimentos em estações experimentais e estabelecidas 70 unidades de estudo (demonstrativas e experimentais) em propriedades de agricultores familiares. Estes experimentos visam definir o melhor sistema no controle de plantas espontâneas e na melhoria do solo em diferentes regiões do estado. Os tratamentos avaliados consistem na combinação de três espécies de culturas de cobertura de inverno; centeio / ervilhaca/ nabo forrageiro em quatro densidades de semeadura distintas. As culturas de verão receberão adubação orgânica e serão implantadas em monocultivos e em policultivos em faixas (ex: milho e feijão, tomate e cebola, soja e milho). Com os resultados de um experimento conduzido em 2005/06 foi possível verificar que na estação do inverno os consórcios centeio/ ervilhaca/ nabo forrageiro ou centeio/ ervilhaca e nabo/ ervilhaca proporcionaram maior eficiência na produção de biomassa, cobertura do solo e controle das populações de espontâneas. O uso de centeio em monocultivo apresentou desempenho intermediário, enquanto centeio/ nabo e a testemunha (pousio) apresentaram os piores resultados. A ervilhaca, que integrou os melhores tratamentos, tem vantagens como a fixação biológica de N, um período de desenvolvimento diferenciado das outras duas espécies e um hábito de crescimento que facilita a cobertura total da área, dificultando o desenvolvimento de plantas espontâneas. Além disso, o trio se beneficiou de efeitos sinérgicos: após uma germinação rápida do centeio houve o desenvolvimento do nabo, e, quando essas duas espécies entravam em senescência, ocorreu o pico de crescimento da ervilhaca, que utilizou os ramos e talos das outras espécies como suporte para crescer, formando uma densa camada protetora do solo. Este mesmo desempenho dos tratamentos no controle das plantas espontâneas se manteve durante o cultivo de feijão, quando se determinou 2,2 ton/ha de biomassa de plantas espontâneas no tratamento com as três espécies contra 4,0 ton/ha do tratamento sem cultura de cobertura. O rendimento do feijão, cultivado na safrinha em razão do período prolongado de estiagem, atingiu os maiores níveis com o trio de espécies (830 kg/ha), seguido de centeio em monocultivo (750 kg/ha) e o consórcio centeio/ ervilhaca (640 kg/ha), ao passo que o tratamento testemunha obteve somente 260 kg/ha. Em experimento conduzido na seqüência do anterior, na safra 2006/07, com coberturas de inverno solteiras ou em consórcio, constatou-se as melhores coberturas do solo nos tratamentos com centeio/ azevém, centeio/ ervilhaca/ nabo, aveia, aveia/ ervilhaca/ nabo, que não diferiram de aveia/ ervilhaca e centeio. Em relação ao controle de plantas espontâneas durante o ciclo do feijão, os melhores efeitos foram proporcionados por aveia, centeio/ ervilhaca e aveia/ ervilhaca, que não diferiram de centeio, azevém, centeio/ azevém e centeio/ ervilhaca/ nabo, enquanto os piores desempenhos foram com aveia/ ervilhaca/ nabo e na testemunha. As melhores produtividades de feijão foram obtidas nos tratamentos azevém, aveia e centeio/ ervilhaca, com valores de 1.920, 1.720 e 1.760 kg/ha, respectivamente. Diferenças significativas na produtividade somente ocorreram em relação à testemunha. Com base nos resultados apresentados, constata-se que o plantio direto permite o manejo de áreas para lavoura sem o uso de herbicidas. Também fica demonstrado que o manejo de plantas, sejam as de cobertura, sejam as de exploração econômica, implicam mudanças na dinâmica das plantas e das comunidades microbianas. Um conhecimento maior de tais mudanças permitirá compreender os princípios que fazem com que determinados sistemas tenham sucesso, o que é vital na transição para a Agroecologia. Referências bibliográficas - EMBRAPA SOJA. Tecnologias para a produção de soja – Paraná 2005. Londrina, PR, 2004, 224p. - CONSUEGRA, N. P. Agricultura orgánica: bases para el manejo ecológio de plagas. La Habana, Cuba: ACTAF, 2003, 8 - COSTA, Murilo Dalla; LOVATO, Paulo Emílio. Fosfatases na dinâmica do fósforo do solo sob culturas de cobertura com espécies micorrízicas e não micorrízicas. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v.39, n. 6, p. 603-605, 2004. - CARNEIRO, Roberto Guimarães; MENDES, Ieda de Carvalho; LOVATO, Paulo Emílio; CARVALHO, Arminda M de. Indicadores biológicos associados ao ciclo do fósforo em solos de cerrado sob plantio direto e plantio convencional. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 39, n. 7, p. 661-669, 2004. - MUZILLI, O. O plantio direto no Brasil. In: Atualização em plantio direto. Fancelli, A. L. et al. Campinas: Fundação Cargill, 1985. p. 3-16. - PEREIRA, J. C.; VINCENZI, M. L.; LOVATO, P. E. Roland Ristow: uma contribuição ao estudo da agricultura sustentável. Eisforia (UFSC), Florianópolis, v. 1, n. 1, p. 63-97, 2003. - BALOTA, E. L.; COLOZZI FILHO, A.; ANDRADE, D. S.; HUNGRIA, M. Biomassa microbiana e sua atividade em solos sob diferentes sistemas de preparo e sucessão de culturas. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Campinas, v. 22, p. 641-649, 1998.Downloads
Publicado
2007-09-28
Edição
Seção
Resumos do V CBA - Outras temáticas