As Mulheres de Minas dão Cara e Coragem à Construção da Agroecologia.

Autores

  • Elisabeth Maria Cardoso, E. M. Cardoso CTA/ZM - Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata
  • Simone Ribeiro UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora
  • Marisa Barletto Universidade Federal de Viçosa

Palavras-chave:

Relações sociais de gênero, agricultura familiar, pesquisa participativa, transição agroecológica

Resumo

As Mulheres de Minas dão Cara e Coragem à Construção da Agroecologia. The Women of Minas Gerais Give Face and Courage to Agroecology Construction Resumo Este texto é fruto da pesquisa “Gênero e Construção do Espaço: Agricultoras e Agroecologia na Zona da Mata Mineira” realizada nos municípios de Divino, Araponga, Acaiaca e Espera Feliz pelo Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM) em parceria com o Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Gênero da Universidade Federal de Viçosa. O objetivo da pesquisa está ancorado na necessidade do CTA-ZM ampliar conhecimentos a respeito do seu público. A investigação se apoiou em duas vertentes de trabalho: a primeira foi analisar os marcadores de gênero no conhecimento/prática de mulheres sobre Agroecologia no contexto da agricultura familiar. A segunda foi gerar informações específicas sobre a dinâmica de gênero nas relações sociais no âmbito da agricultura familiar quando o foco é a Agroecologia. Neste artigo, além de apresentarmos, em linhas gerais a pesquisa, vamos abordar os tensionamentos de gênero na problematização da construção do conhecimento agro ecológico. Palavras-chave: Relações sociais de gênero, agricultura familiar, pesquisa participativa, transição agroecológica. Abstract This paper results from the research “Gender and Space Construction: Farmers and Agroecology in the Zona da Mata from Minas Gerais, Brazil” realized in the municipalities of Divino, Araponga, Acaiaca and Espera Feliz by the Alternative Technologies Center of the Zona da Mata (CTA-ZM) in partnership with the Interdisciplinary Nucleus of Gender Study from the Federal University of Viçosa (UFV). The objective of the research is based on the CTA-ZM need to amplify knowledge’s about its focus public. The investigation was supported by two work slopes: the first had analyzed the genre markers on the knowledge/practice of the women about Agroecology on the familiar agriculture context. The second had produced specific information about the gender dynamic in the social relations on the familiar agriculture scope when the focus is Agroecology. In this paper, beyond showing the research in general lines, we will board the gender tensions to problemize agroecological knowledge construction. Keywords: Genre social relations, familiar agriculture, participative research, agroecological transition. Introdução Este artigo tem como motivação o desejo de aprofundar os conhecimentos sobre os diferentes olhares de gênero na construção do conhecimento agroecológico, a partir da vivência das mulheres agricultoras familiares na Zona da Mata de Minas Gerais. Entendemos que há uma carência de informações específicas sobre a dinâmica de gênero nas relações sociais no âmbito da agricultura familiar quando o foco é a Agroecologia. Assim, nossa proposta é analisar a forma como essas mulheres percebem a imbricação entre as questões de gênero e Agroecologia no contexto da agricultura familiar nos municípios de Acaiaca, Araponga, Divino e Espera Feliz. A pesquisa está ancorada na necessidade das organizações que promovem a Agroecologia na Zona da Mata de Minas Gerais de ampliarem conhecimentos a respeito do público para o qual são dirigidas suas ações. No caso, a presente investigação se dedica a buscar informações qualificadas sobre quem são as mulheres que fazem parte deste público, onde vivem, o que fazem, e principalmente, o que pensam e como percebem a agroecologia. Na Zona da Mata de Minas Gerais, região cuja ocupação se deu a partir de meados do século XIX, com a expansão da cafeicultura do Vale do Paraíba e a chegada de migrantes da região das minas de ouro, a Mata Atlântica cedeu seu lugar para as lavouras de café e o eficiente reciclo de nutrientes da mata foi interrompido por uma agricultura sem preocupação ambiental, reduzindo drasticamente a fertilidade dos solos. Quando os cafezais avançavam em busca de solos mais férteis em novas áreas desmatadas, no seu lugar se instalavam as pastagens e culturas anuais como o milho, feijão e cana-de-açúcar destinados ao consumo na própria região. A agroecologia surge na região como uma alternativa viável pra o desenvolvimento rural sustentável da agricultura familiar. Aos poucos algumas organizações foram percebendo que as relações de gênero são parte integrante de sua missão de promover a agricultura familiar como estratégia para o desenvolvimento rural sustentável. Neste processo considerando não somente aspectos referentes à produção agrícola e à renda, mas às pessoas que a compõem. Esse contexto inclui mudanças econômicas, ambientais e nas relações sociais de gênero, dentre outras, e a desconfiança de que o aporte do trabalho ao fortalecimento da agricultura familiar pode não estar sendo apropriado de maneira igualitária por todos os membros da família. Existe ainda um trabalho de diagnóstico sensível a gênero da realidade na qual atuamos que necessita ser feito. Por exemplo, como tornar visível o trabalho realizado pelas mulheres e como a organização do trabalho se relaciona à identidades, afetos e emoções. Precisamos construir indicadores qualitativos e de impacto, capazes de perceber a mudança na visão de homens e mulheres, o aumento da autonomia das mulheres, mudanças em seu poder de negociação nas relações interpessoais, na comunidade, nos movimentos sociais, nas instituições. Precisamos integrar a dimensão de gênero na intervenção das organizações junto às comunidades de agricultoras e agricultores. Além do aspecto organizativo interno, é necessário criar espaços de auto-reflexão, de fortalecimento pessoal das mulheres e de tomada de consciência por parte de cada homem do que é o machismo e como ele se manifesta. Metodologia A opção teórico-metodológica para esse projeto parte do princípio orientado por Paulo Freire (1992) que enfatiza o respeito pelas demandas e significados da comunidade local. Sendo assim, serão priorizadas técnicas participativas num processo dialógico, integrando os vários sujeitos envolvidos na pesquisa. A metodologia é baseada, numa primeira parte, em dinâmicas de grupo com as mulheres agricultoras, nos moldes do Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), adaptadas para a temática de gênero. As dinâmicas de grupo foram organizadas em forma de oficinas, com dois dias de duração, em cada um dos municípios citados. Os grupos de mulheres foram divididos em três subgrupos por auto-definição de geração: jovens, adultas e idosas. Essa estrutura é fundamental na medida em que além do marcador gênero, a dimensão de geração é um horizonte de investigação importante, dada às diferentes formas de inserção política, econômica e cultural dessas mulheres dentro dessa vertente de pertencimento e identidade. A geração como noção de tensionamento com a categoria gênero, poderá ser, do ponto de vista dos resultados da pesquisa, um material rico para o debate, favorecendo a compreensão inclusive, da contribuição da escola para a compreensão da agroecologia. Resultados e discussões As dinâmicas mostraram que há uma diversidade de posições políticas quanto às relações de gênero e é necessário ressaltar que, mesmo sendo em minoria, havia no grupo a presença - ora mais ora menos explícita - de formas hegemônicas de desigualdade de gênero e sua naturalização. Essas formas foram mais evidentes quando se expressaram numa perspectiva moralista de controle dos corpos femininos, principalmente dos lugares onde se pode estar e onde não se pode estar. Essas questões remetem à legitimidade do direito à liberdade e à legitimidade do controle, principalmente, da sexualidade. No que se refere à abordagem das discussões sobre o trabalho na propriedade - a divisão de tarefas e a relação de ajuda - ainda existem muitas dúvidas sobre o modo como as mulheres entendem e elaboram tais relações. Muito dessas relações encontram-se muito naturalizadas. Apesar disso, elas têm muita clareza sobre divisão sexual do trabalho. Pode-se se supor que a própria noção de trabalho não seja uma questão muito clara quando se trata dos espaços domésticos. Ou seja, a afirmação de que o trabalho doméstico não é reconhecido como trabalho, talvez também não o seja pelas próprias mulheres em alguns aspectos. No caso específico do grupo de idosas, algumas questões relativas à suas afirmações - de que seus maridos "ajudam muito, mas elas sempre trabalharam mais", ou seja, que o trabalho delas - os chamados femininos - não mudou, mas o trabalho para os homens de mais idade sim -, são questões que poderiam ser mais aprofundadas. O que, segundo esses maridos, mudou nas relações de gênero sobre a divisão e distribuição das atividades na propriedade? Como eles compreendem essa situação apresentada por essas mulheres? Ainda com relação ao trabalho, o entendimento sobre as noções de 'decisão' e 'planejamento' tratadas pelas mulheres ficaram também bastante controvertidos. A hipótese é que essas são relações que ainda não foram tensionadas, não foram objeto de reflexão. O trabalho, mais uma vez, como categoria, pareceu ser tratado apenas no seu 'fazer', na sua dimensão executiva, e não nos processos de planejamento e decisão. A impressão é que elas não haviam pensado nisso antes. Finalmente, a questão da agroecologia envolve todos os elementos discutidos acima. Se há a constatação de que elas não sabem definir o que é agroecologia, elas entendem de modo fragmentado, localizado e superficial o que são as práticas agroecológicas. A problematização se põe quando as instituições de organização de trabalhadores e as de assessoria utilizam essa terminologia pressupondo uma obviedade na compreensão do conceito que não existe. A prática agroecológica, por sua vez, está fundada no trabalho, cuja totalidade de relações não é apreendida pelas mulheres que atuam na propriedade, não só pela divisão sexual do trabalho, mas também pela pouca atividade de trabalho intelectual sobre os processos produtivos. Elas não decidem nem planejam a grande maioria das coisas que são produzidas e administradas na propriedade. Como disse uma das participantes das oficinas: “dar opinião não é se apropriar e nem decidir”. Conclusões Para atingirmos a sustentabilidade em todas as dimensões ecológicas, sociopolíticas e culturais é necessário abrirmos o diálogo com os saberes das populações no campo, valorizando o papel fundamental das mulheres na agricultura e na segurança alimentar, gerando assim a desejada “consciência agroecológica”. A promoção da Agroecologia no Brasil nestas últimas décadas tem possibilitado dar mais visibilidade ao trabalho das mulheres agricultoras familiares, camponesas e extrativistas. Apoiando-se em uma visão sistêmica, a Agroecologia reforça a lógica policultora da economia camponesa, reconhece e valoriza a diversidade de arranjos dos sistemas agrícolas e agroecossistemas e, a relação entre o trabalho produtivo e reprodutivo. Há uma compreensão que a composição da renda das famílias vem das lavouras, onde as mulheres atuam quase sempre tanto quanto os homens, mas vem também dos quintais, das hortas, dos pomares, dos doces, das conservas, da criação de pequenos animais e dos artesanatos que são atividades quase sempre desempenhadas somente pela mulher. Com isso, temos considerado a Agroecologia uma aliada no papel de promover a igualdade entre homens e mulheres no campo, visando o desenvolvimento sustentável. Na relação entre Agroecologia e Gênero é necessário operar com duas lógicas diferencidas: a "naturalização" e a "desnaturalização". Se, por um lado, a visão sistêmica contribui para dar visibilidade ao trabalho da mulher, por outro, a lógica da interação e complementariedade funcional entre as "partes" para potencialização do "todo", não pode ser transportada para o campo das relações sociais de gênero na agricultura familiar, sob pena de reforçar a naturalização da divisão de trabalho entre os sexos. Se na Agroecologia estimulamos a "naturalização" das práticas agrícolas, através da aplicação dos princípios ecológicos na agricultura, no campo das relações sociais de gênero, o que se busca é a "desnaturalização" de atribuições conferidas ao feminino e ao masculino. Portanto, se na Agroecologia relacionamos o natural ao sadio e certo, nas relações de gênero não se pode considerar as relações tradicionais como naturais ou positivas. Esperamos que esta pesquisa traga outros elementos para contribuir nesse debate, ao mesmo tempo em que contribua para a visibilidade e reconhecimento do trabalho das mulheres na Agroecologia. Agradecimentos Às comissões de mulheres trabalhadoras rurais dos municípios de Acaiaca, Araponga, Divino e Espera Feliz e à Associação de Mulheres de Espera Feliz. Referências CARDOSO, E.M.; PACHECO, M. E. L. A sustentabilidade da produção agroecológica também é uma questão de gênero. Ação Ambiental, mai-jun - 2005. Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 2005. CARDOSO, E.M.; LUZ, C.; RIBEIRO, S.; SOUZA, D. F.; TELLES, L. Um olhar de gênero sobre as relações sociais no campo. INFORME AGROPECUÁRIO, v. 24 – n. 220 - 2003. Belo Horizonte: Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, 2003. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1992. GT-GÊNERO. Gênero em Rede. Publicação do Grupo de Trabalho sobre Gênero do Fórum Sudeste da Rede PTA- Programas em Tecnologias Alternativas. 2002 NOBRE, M.; SILIPRANDI, E.; QUINTELA, S.; MENASCHE, R. (Org.). Gênero e Agricultura Familiar. São Paulo: SOF, 1998.

Biografia do Autor

  • Elisabeth Maria Cardoso, E. M. Cardoso, CTA/ZM - Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata
    Engenheira Agrônoma/UFRRJ; com especialização em "Desarrolo local com perspectiva de género" /Programa Delnet /Centro Internacional de Formação da Organização Internacional do Trabalho; cursando o Programa de Maestría “Agroecología: Un enfoque Sustentable de la Agricultura Ecologica”/Universidad Internacional de Andalucía/Universidad de Córdoba; áreas de interesse: agroecologia, gênero, desenvolvimento rural sustentável e agricultura familar; membro da equipe técnica do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata - CTA/ZM e animadora do Grupo de Trabalho de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia. Caixa Postal 128 - Viçosa - MG - CEP:36570-000 - beth@ctazm.org.br - Tel/Fax: (31) 3892 2000.
  • Simone Ribeiro, UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora
    Pedagoga/UERJ; com mestrado em educação/UERJ; atuou como membro da equipe técnica do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata - CTA/ZM por 8 anos, doutoranda do PPGE/UFJF; áreas de interesse: educação popular, gênero, educação do campo e agroecologia. Caixa Postal 128 - Viçosa - MG - CEP:36570-000 - simone@ctazm.org.br - Tel/Fax: (31) 3892 2000.
  • Marisa Barletto, Universidade Federal de Viçosa
    Graduação em Psicologia pela Universidade Gama Filho (1984), mestrado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (1993) e doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (2006). Atualmente é professora adjunta do Departamento de Educação da Universidade Federal de Viçosa e membro da coordenação do Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Gênero - NIEG - da UFV. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social, atuando principalmente nos seguintes temas: currículo, prática pedagógica, subjetividade, gênero e movimentos sociais. Universidade Federal de Viçosa, Centro de Ciências Humanas Letras e Artes - Departamento de Educação. Av. PH Rolfs s/n Centro - 36570-000 - Viçosa - MG - Tel: (31) 3899 1382

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Publicado

2009-12-31