Agrobiodiversidade Crioula: os 13 anos dos Dias da Troca das Sementes Crioulas de Ibarama-RS

Autores

  • iolanda Lopes Oliveira Universidade Federal de Santa Maria
  • Giovane Ronaldo Rigon VIELMO EMATER/RS-ASCAR de Ibarama, RS
  • Lia Rejane Silveira Reiniger Universidade Federal de Santa Maria
  • Marlove Fátima Brião Muniz Universidade Federal de Santa Maria
  • Maiara Cristina Hoppe EMATER/RS-ASCAR de Ibarama, RS

Resumo

Resumo A agrobiodiversidade crioula compreende um imenso repositório genético vivo e dinâmico não somente para as comunidades que as conservam e utilizam, mas, também, para toda a humanidade. Esses cultivares são importantes para a sobrevivência dos pequenos agricultores, para a segurança alimentar de suas famílias, para a manutenção da historia, da cultura e dos costumes das comunidades locais, além de conservar um valioso patrimônio genético da humanidade. Diante deste contexto, inspirou-se a criação do Dia da Troca das Sementes Crioulas, que já se realiza de maneira ininterrupta há 13 anos na cidade de Ibarama-RS. Essas sementes transformam-se em esperança de vida, preservação da biodiversidade e de sustentabilidade para os atores envolvidos neste processo. Palavras- chave: germoplasma crioulo, conservação in situ on farm, sementes próprias. Abstract Creole agrobiodiversity comprises a large living and dynamic genetic repository not only for the communities that maintain and use, but also for all humanity. These cultivars are important to the survival of small farmers, food security of their families, to maintain the history, culture and habits of local communities and conserve valuable genetic heritage of humanity. Given this context, there was the creation of the Dia da Troca das Sementes Crioulas, which has been held uninterruptedly for 13 years in the city of Ibarama-RS. These seeds become in life expectancy, biodiversity conservation and sustainability for the actors involved in this process. Keywords: creole agrobiodiversty, in situ on farm conservation, landraces. Contexto A agrobiodiversidade crioula é constituída pelos recursos genéticos (plantas, animais, micro-organismos) sobre os quais os agricultores têm ampla e total autonomia de uso. Os recursos fitogenéticos componentes dessa agrobiodiversidade costumam ser denominados cultivares locais, tradicionais ou crioulas (CLTCs) ou, então, simplesmente sementes ou variedades crioulas e são resultantes de processos evolutivos (mutação, migração, hibridação, seleção) mediados, inicialmente, acredita-se, pelas populações tradicionais (indígenas, quilombolas, agricultores). Uma parcela desses materiais, em especial de milho e feijão, foi, em algum momento, introduzida nos primórdios dos programas brasileiros de melhoramento convencional, sendo utilizado em recombinações e seleções e, eventualmente, liberados aos agricultores daquela época, os quais legaram aos atuais agricultores, principalmente aos familiares, essa herança biológica, social, cultural, econômica e ambiental. As CLTCs compreendem um imenso repositório genético – vivo e dinâmico – para, não somente, as comunidades que as conservam e usam, mas, também, para toda a humanidade. Sua importância, portanto, transcende os cenários locais e regionais, uma vez que seus genes podem ser importantes para garantir a sobrevivência dos cultivos agrícolas, cujo germoplasma está esgotado pelos programas formais de melhoramento genético. Essas cultivares são importantes para a sobrevivência dos pequenos agricultores, para a segurança alimentar de suas famílias, para a manutenção da historia, da cultura e dos costumes das comunidades locais, além de conservar um valioso germoplasma, patrimônio genético da humanidade, e uma reserva de variabilidade genética não encontrada nas cultivares melhoradas, e, talvez, nem sequer, nos bancos de germoplasma privados ou públicos. Entretanto, a agrobiodiversidade crioula está continuamente ameaçada por diversos fatores como o desaparecimento quase que total das indústrias nacionais de sementes; o crescimento da agricultura industrializada; o consumo cada vez maior de produtos industrializados; e, também, a apropriação privada dos conhecimentos das comunidades locais associados à biodiversidade. Essa situação justifica a socialização de conhecimentos relacionados à agrobiodiversidade crioula, bem como de estratégias que possam ser empregadas na sua defesa, com o maior contingente de pessoas possível. Com esse objetivo, há 13 anos consecutivos vêm sendo realizados os Dias da Troca das Sementes Crioulas de Ibarama, cuja descrição e análise constituem o objetivo do presente trabalho. Descrição da experiência Ibarama localiza-se na região Centro Serra do Rio Grande do Sul, em uma área de 193 km2 e população de 4.371 habitantes, dos quais 3.318 vivem no meio rural. Sua economia está baseada na atividade agropecuária que, por sua vez, está assentada em estabelecimentos rurais familiares. Predominam as culturas de milho, tabaco e feijão, além da fruticultura e olericultura (IBGE, 2011). Em Ibarama, as cultivares crioulas, em especial de milho, fazem parte da cultura de muitas famílias de agricultores, cujas sementes vêm sendo repassadas de pais para filhos ou, na comunidade, entre vizinhos e conhecidos. Muitos dos materiais genéticos são provenientes dos indígenas e, outros, vieram com os imigrantes italianos que colonizaram a região. O início das ações de resgate, conservação e manejo desses materiais ocorreu na década de 1980, mas sua intensificação teve lugar a partir de 1998, com a identificação, pelo Escritório Municipal de Ibarama da EMATER/RS-ASCAR, de agricultores que permaneciam utilizando sementes de cultivares crioulas de milho. Com base nesse núcleo inicial, deu-se origem a um processo de seleção e multiplicação de sementes em 10 comunidades rurais. Essa iniciativa foi realizada de tal maneira a favorecer que os próprios agricultores atuassem como multiplicadores e disseminadores desses materiais junto aos seus vizinhos, com o objetivo de promover o resgate, a multiplicação, a manutenção e a disponibilização de sementes crioulas como forma legitima para a conservação de material genético in situ on farm, e, com isso, preservar a biodiversidade e a sustentabilidade. No ano de 2002, foi organizado o primeiro Dia da Troca de Sementes Crioulas, ocasião os agricultores levaram suas sementes e efetuaram trocas e vendas diretas. Tendo em vista o êxito, o evento passou a ocorrer anualmente, sempre na segunda sexta-feira do mês de agosto, somando, até o presente, 13 edições. Em 2003, além da troca de saberes entre agricultores, técnicos e estudantes, foi apresentada uma palestra pelo Dr. Altair Toledo Machado, pesquisador da Embrapa Cerrado. Em 2004, o Engº Agrôn. Carlos Danilo Sanches Chácon abordou o tema ‘’Melhoramento Genético de Sementes Crioulas à Nível de Propriedade Rural’. Em 2005 foi a vez da Irmã Lourdes Dill, coordenadora do Projeto Esperança/Cooesperança da Diocese de Santa Maria, que ministrou a palestra ‘’Agricultura Familiar, Biodiversidade e Economia Solidária’’. Em 2006, contando com a presença de representantes de entidades de pesquisa como a Embrapa, o CAPA, além da EMATER/RS-ASCAR e da Federação de Trabalhadores na Agricultura (FETAG), foram amplamente debatidas questões como a importância e meios de preservação das sementes crioulas e a sustentabilidade. Em 2007, o VI Dia da Troca das Sementes Crioulas foi realizado em Tunas-RS, com a finalidade de disseminar para outros municípios, essa experiência bem sucedida com sementes crioulas. Todas as demais edições do Dia da Troca foram realizadas em Ibarama. No ano de 2008, no VII Dia da Troca das Sementes, ocorreu a oficialização da Associação dos Guardiões das Sementes Crioulas de Ibarama (ASCI), que se incumbiu da missão de preservar milho e feijão crioulos, entre outras culturas. Na programação, representantes do CAPA e agricultores da região de Santa Cruz, RS, participaram expondo produtos da Ecovale - Cooperativa Regional de Agricultores Familiares. Em 2010, o Dr. Irajá Ferreira Antunes e o Dr. Rafael Messias, da Embrapa Clima Temperado, abordaram o tema ‘’O papel das sementes crioulas como fonte de caracteres no melhoramento de plantas e no uso direto; qualidade nutricional e funcional em milhos crioulos como diferencial na agregação de valores’’. A partir deste mesmo ano, o Grupo de Pesquisa em Agroecologia, Agrobiodiversidade e Sustentabilidade da Professor José Antônio Costabeber da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) iniciou a desenvolver ações articuladas de educação, pesquisa e extensão em parceria com a ASCI e a EMATER municipal. Essas ações objetivam contribuir para a conservação da agrobiodiversidade, da variabilidade genética e do etnoconhecimento associado ao resgate, ao manejo e à conservação de CLTCs na região de Ibarama, RS. Já em 2011, Claudenir Scherer e Marcos César Pandolfo apresentaram a palestra “Relato da experiência do município de Tenente Portela/RS, sobre o Programa “Guardiões da Agrobiodiversidade” e, também, a “Retrospectiva dos 10 anos do Dia da Troca das Sementes Crioulas e apresentação dos Guardiões Mirins”. A partir de 2012, somaram-se ao já tradicional Dia da Troca, outros três eventos: o 1º Seminário da Agrobiodiversidade Crioula, promovido pela UFSM, em parceria com os Guardiões, EMATER municipal e outras instituições regionais, assim como a 1ª Feira de Economia Popular Solidária do Território Centro Serra do RS (promovida pelo Conselho do Desenvolvimento do Território Rural centro Serra) e o 1º Seminário Regional dos Guardiões Mirins (organizado pela Secretaria Municipal de Educação de Ibarama). Em 2012, a programação contou com a mesa redonda “Relato da experiência de Ibarama com processos de resgate, conservação e uso de sementes crioulas em Ibarama/Região Centro Serra do RS” composta por Giovane Vielmo (EMATER Ibarama), José Antônio Costabeber (UFSM), Leonel Kluge (ASCI), Irajá Antunes (Embrapa Clima Temperado) e Luiz Boemeke (CAPA), e o painel “Estratégias jurídicas e técnicas para a proteção das sementes crioulas”, com a participação de José Renato Barcelos e Antônio Campos (UFFS). Em 2013 e 2014, a programação desses eventos foi desenvolvida, pela primeira vez, em dois dias. Em 2013, a nutricionista Regina da Silva Miranda (Emater/RS-Ascar) ministrou a palestra “Sementes ou mercadoria” e, a seguir, foram apresentados relatos de trabalhos realizados pelos Guardiões Mirins de Ibarama. A programação culminou com a apresentação da peça de teatro "Sementes, meu destino é parecido com o seu", pelo grupo de Guardiões Mirins da Escola Municipal Luiz Augusto Colombelli de Ibarama. Ainda nessa edição, o Prof. Paulo Roberto Cardoso da Silveira (UFSM) discutiu o tema “O desafio do desenvolvimento rural: entre o preservar e o inovar”, sendo na sequência, apresentados oito relatos de experiência relacionados à agrobiodiversidade crioula. A partir de 2014, os quatro eventos receberam uma denominação coletiva: “Saberes, Sabores e Sementes Crioulas”. Na edição de 2014, o pesquisador da Embrapa Clima Temperado Dr. João Carlos Costa Gomes ministrou a palestra “Agroecologia, agrobiodiversidade e segurança alimentar”, enquanto, no período da tarde, foram relatadas 10 experiências abordando a preservação das sementes crioulas e os trabalhos desenvolvidos pelo Guardiões Mirins. Assim, os Dias da Troca representam, para a comunidade regional, muito mais que apenas um espaço de comercialização de sementes de cultivares crioulas e produtos dela derivados. Além do intercâmbio de saberes e conhecimentos, é a visibilidade e a consolidação da rede de parcerias institucionais e comunitárias que se acumularam ao longo desses anos de experiência. Resultados As atividades com sementes de cultivares crioulas em Ibarama possibilitaram, ao longo dos anos, novas formas de interação entre os agricultores, promovendo o espírito de comunidade e acentuando as relações de bem estar, fundamentais para a manutenção dessas práticas e da agrobiodiversidade crioula. Característica perceptível através da organização dos agricultores em outros grupos sociais, além da ASCI, como a Associação das Trabalhadoras Rurais, o Projeto dos Guardiões Mirins, a Associação dos Artesãos de Ibarama, entre outros. Nesses anos, os guardiões resgataram e conservaram mais de 150 cultivares crioulas, dentre as quais 30 de milho, trocaram e comercializaram diretamente mais de 13 T de sementes de milho e feijão em seus Dias da Troca, que contaram com a participação de mais de 6 mil pessoas, de vários municípios do RS, criaram sua Associação, participaram de eventos estaduais, nacionais e internacionais com a finalidade de socializar suas ações e resultados, consolidando-se como um projeto premiado em diversos eventos. Adicionalmente, a partir desta experiência, o uso de sementes de cultivares crioulas possibilitou às famílias reduzir os custos de suas lavouras, diminuir significativamente o uso de agroquímicos e aumentar a renda por meio da troca e comercialização com outros produtores rurais. O trabalho também possibilitou o intercâmbio de experiências entre produtores, a integração entre instituições e, principalmente, a inclusão social, pois quem mais detém conhecimento sobre sementes crioulas são os idosos, que passaram a ser mais valorizados, especialmente nas ocasiões em que relatam suas experiências com as cultivares crioulas. Além disso, cabem destacar outros resultados, tais como: a valorização da mulher, em que se sobressai o grupo das guardiãs de sementes crioulas; a capacidade de organização em grupos e associações; o empoderamento do produtor rural; a preservação dos valores culturais trazidos pelos antepassados; a valorização do saber do produtor rural; a garantia de conservação dinâmica da diversidade genética; a disponibilização de sementes para grande número de produtores locais e de outros municípios; a integração de entidades parceiras e dos produtores; a divulgação da experiência de Ibarama, através de diferentes canais de comunicação. A partir do ano de 2015, a ASCI integra o Comitê Gestor da Política Estadual de Agroecologia e de Produção Orgânica e o Programa Estadual de Agricultura de Base Ecológica, assim, como também, participa da Rede Estadual de Sementes Crioulas. Assim, as sementes transformam-se em esperança de vida, preservação da biodiversidade e de sustentabilidade das propriedades agrícolas familiares. Representam uma excelente alternativa tanto para agricultores como para as populações urbanas, pois são ricas em variabilidade nutricional e funcional, promovendo a segurança e a soberania alimentar e nutricional sustentável, o que torna segura a sua utilização pelo consumidor final.

Referências

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Estimativa 2011. Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=430975&search=rio-grande-do-sul|ibarama>. Acesso em 23 de abril de 2012.

KAUFMANN, M.P. Resgate, conservação e multiplicação da agrobiodiversidade crioula: um estudo de caso sobre a experiência dos guardiões das sementes crioulas de Ibarama (RS). Dissertação (mestrado)¬– Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais, Departamento de Extensão Rural, Pós-graduação Extensão Rural, 2014.

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Publicado

2016-05-18

Edição

Seção

IX CBA-Agroecologia / Relatos de Experiências

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